quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O abastecimento do Mercado Público de Porto Alegre através trilhos do século XIX.


Resumo: Este artigo visa avaliar a relação da construção da linha ferroviária São Leopoldo – Porto Alegre com o abastecimento do Mercado Público da capital sul-rio-grandense. Pretende ainda produzir uma contextualização da cidade de Porto Alegre durante o final do século XIX e início do século XX. Artigos como este servem para solidificar a idéia de que o abastecimento do Mercado Público não ocorria somente por via lacustre, como se pensou durante muito tempo.

Palavras-Chaves: História do Rio grande do Sul, Porto Alegre, Mercado Público, linha ferroviária.

Foto 001



[Foto 337] Fotógrafo IRMÃOS FERRARI

Descrição DOCA DO MERCADO - Data início séc. XX

Fonte: Museu Joaquim José Felizardo - Porto Alegre/RS




O Mercado Público localiza-se no Largo Glênio Peres no centro da cidade. O prédio foi inaugurado em outubro de 1869 e em seu interior funcionavam salas de prestação de serviços e um comércio de abastecimento. Durante o período de 1910 a 1914 se construiu o segundo andar do Mercado1. Na época, este pavimento foi destinado a brigar escritórios. Atualmente, nos espaços abertos acontece uma exposição de fotografias promovida pelo Memorial do Mercado Público e nas salas funcionam restaurantes e pequenas lojas.

O primeiro Mercado Público da capital dos gaúchos situava-se na Praça XV de Novembro, na época chamada de Praça Paraíso. Este mercado funcionou de 1842 a 1870, quando ocorreu a transferência, conforme diz Sérgio da costa Franco:


A “Praça do Mercado” [referente ao local onde ficava o primeiro Mercado público] serviu à população até 1870, quando foi entregue ao público o novo Mercado, de maiores proporções, construído também na Praça paraíso, porém no alinhamento da Rua Voluntários da Pátria. O velho foi demolido em outubro de 1870.2


O autor ainda fornece maiores dados sobre a construção, no qual afirma que a obra custou 246 contos de réis, o que para a época constituía um valor elevado. Sendo que o município foi obrigado a arrecadar empréstimos para custear o término da edificação. Esta que, por sua vez, mantém desde 1913 a mesma exterioridade.

Em 1979 o prédio foi tombado como bem cultural. Durante quase toda a década de 1990 o espaço e edificação passaram por um processo de restauração. Esta ação devolveu a beleza deste patrimônio cultural e o consolidou como ponto turístico. A arquiteta do IPHAN, Ana Lucia Goelzer Meira, resume a trajetória da noção de conservação patrimonial no Brasil em seu artigo Patrimônio cultural e globalização, onde afirma:

No Brasil, a preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, institucionalmente, inicia na década de 30 [1930]. Insere-se no processo de construção de uma identidade nacional pelo Estado Novo (...).A escolha prioritária de bens arquitetônicos excepcionais, ligados ao período do barroco e, particularmente, às expressões do poder dominante – como igrejas, palácios, casas de câmara e cadeia, acabaram fortalecendo uma memória monumental (...).Nos anos 70 [1970], esse conceito começa a ser ampliado para o de patrimônio cultural, e as tarefas de salvaguarda dos bens patrimoniais começam a ser divididas com os estados e os municípios.3

No século XIX Porto Alegre e as regiões ao seu redor absorveram diversos imigrantes italianos, alemães dentre outros. Ao longo deste século a cidade passou por diversos episódios dentre os quais pode ser citado o sitiamento das tropas farroupilhas4, que resultou no aumento do comércio lacustre entre a capital e as cidades de colônias alemãs. Anos mais tarde, 1865 a 1870, a capital sul-rio-grandense tornou-se a cidade mais próxima da região onde ocorria a Guerra do Paraguai.

Após estes envolvimentos com guerras, Porto Alegre começou a receber os ares das inovações já ocorridas na Europa. Em 1872, vê-se o aparecimento das primeiras linhas de bonde. Houve um replanejamento urbano onde ruas transformaram-se em amplas avenidas, becos foram alterados para ruas, se criaram parques, o porto foi reformado e a população passou a conhecer a eletricidade. Além disso, em 1884, foi decretado o fim da escravatura e aos poucos a cidade adotou a forma de trabalho assalariado.

Outro aspecto fundamental deste término do século XIX foi o interesse na construção de ferrovias. A historiadora Luiza Helena Kliemann trabalha, resumidamente, com o processo de transformações das idéias em relação à construção das estradas de ferro no país, onde afirma que:


A influência européia, principalmente inglesa, era um fato na história do Brasil desde a vinda da Corte de Portugal em 1808. A substituição desta influência pela norte-americana deu-se paulatinamente, até chegar o momento ideal, proporcionado pela ruptura no sistema monárquico brasileiro. Ingleses e norte-americanos disputaram então o mercado brasileiro, fomentando a criação de indústrias, instalando e financiando a construção de estradas de rodagem e de ferrovias, criando companhias de navegação. Foi somente neste momento que começaram a amadurecer as idéias de industrialização (...).


Entre o final do século XIX e início do século XX houve um incentivo maior por parte do governo em promover a construção de estradas de ferro pelo país. Empresas estrangeiras de diferentes países investiram em obras que ligavam as zonas produtivas do interior aos portos (Porto Alegre e Rio Grande).

Luiza Kliemann cita a importância do capital estrangeiro na construção das ferrovias, onde diz que “o papel do capital estrangeiro é de suma importância e (...) algumas regiões da América Latina transformaram-se em ‘ilhas econômicas estrangeiras em zonas periféricas’”5.

A estradas ferroviárias do Rio Grande do Sul eram formadas, inicialmente, por três linhas principais que foram construídas em diferentes épocas. Tais linhas ligavam Porto Alegre a Uruguaiana, Rio Grande a Bagé e Santa Maria a Marcelino Ramos. No livro Centro de preservação da história da ferrovia no Rio Grande do Sul consta os motivos pelos quais a cidade de Rio Grande e Porto Alegre foram os primeiros locais a receberem as atenções para tais empreendimentos:


Porto Alegre, Capital da Província e a cidade do Rio Grande foram os pontos principais de convergência das ferrovias aqui implantadas, por razões eminentemente econômicas: Porto Alegre pela densidade populacional, necessitada de abastecimento pelas colônias e Rio Grande, por ser o único porto marítimo profundo, recebedor e exportador de mercadorias. Neutralizar a influência do Porto de Montevidéo e as razões de ordem militar também vieram decidir a diretriz das novas estradas de ferro. 6


Enquanto o Governo da Província expedia os primeiros atos em relação à construção das estradas de ferro que ligariam Novo Hamburgo a Porto Alegre, o governo imperial já havia iniciado as obras, aprovadas pelo decreto nº. 3924 de 1867, em Rio Grande (linha Rio Grande – Bagé).

No início, a maioria dos produtos eram transportados do interior para a capital pelo Lago Guaíba (este possui ligação com a Laguna dos Patos e outros rios que correm o estado gaúcho, exemplos disto são os Rios Jacuí e Caí). Em 10 de janeiro de 1867 a Lei Providencial nº. 599 esboçou o plano ferroviário que autorizou a construção de uma estrada de ferro entre Porto Alegre e proximidades de São Leopoldo. O empreiteiro britânico John Mac Ginity foi o concessionário da obra. Num trecho da obra Memória cidadã: Vila Belga destaca-se a utilidade e importância das linhas férreas para o estado:


Com efeito, os caminhos fluviais e as estradas (ou picadas), quando do advento da malha ferroviária, já interligavam os mandatários do Império, no sentido de facilitar o transporte de tropas, gêneros alimentícios e mercadorias de toda a ordem. Além, é claro, do indispensável trânsito de passageiros.7


O desenvolvimento das colônias de Novo Hamburgo e São Leopoldo foi o principal motivo para a construção de uma linha que ligava a capital a estes locais, através de um transporte rápido e econômico. Os trabalhos na obra começaram no ano de 1971.

A primeira seção que ligava Porto Alegre a São Leopoldo foi inaugurada em 14 de abril de 1874 “ficando os restantes para a entrada em tráfego a 1º de janeiro de 1876 [São Leopoldo - Novo Hamburgo], data que começou a operar trens de passageiro”8. Ainda no livro Centro de preservação da história da ferrovia no Rio Grande do Sul consta uma descrição importante sobre como era a navegação no Rio dos Sinos:


O Rio dos Sinos não era de fácil navegação, com trechos demasiadamente estreitos, em curso sinuoso e em cujo leito caiam galhos de árvore que, acompanhando a corrente, se deslocavam a uma velocidade de até 4 quilômetros por hora. Além disso, os passageiros dos barcos temiam o ataque de animais de grande porte, especialmente tigres e jacarés, que tinham junto ao rio seu ‘habitat’ natural. 9


O que se percebe nesta descrição era a necessidade, que se tinha na época, de construir uma linha que conectasse Porto Alegre à região de Hamburger Berg em São Leopoldo. Uma estrada de ferro facilitaria além do transporte de pessoas o de cargas.

Os investimentos para a construção da ferrovia que ligou Novo Hamburgo a Porto Alegre foram de capital inglês. A empresa responsável pela construção era denominada Porto Alegre and New Hamburg Brazilian Railway Company Limited”. Alice Cardoso e Frinéia Zamin apontam aspectos gerais sobre a nova estação:


Em geral em abril de 1874 foi inaugurada a seção da estrada compreendida entre a capital e São Leopoldo, com uma extensão de 33.756 metros que compreendiam as seguintes estações (ou paradas): Porto Alegre, Navegantes, Gravataí (depois Augusto Pestana), Canoas, Sapucaia e São Leopoldo. 10


Ao ser inaugurada a linha entre Porto Alegre e São Leopoldo, foram promovidas diversas festividades. Enquanto isso, a continuação da obra até Hamburg Berg cessou. Está região da colônia alemã era uma das mais habitadas na época. Um detalhe interessante teria originado o atual nome do lugar, isso porque os ingleses, responsáveis pela obra naquele local, escreveram uma tabuleta escrito New Hamburg e, naturalmente, surgiu mais tarde à denominação da localidade11.

Por conta do crescimento econômico e produtivo da colônia de São Leopoldo, viu-se a necessidade e importância de construir uma estrada de ferro que a ligasse a capital. As dificuldades enfrentadas no transporte de cargas pelo Rio dos Sinos não eram mais enfrentadas e surgiu uma rota comercial ágil e rápida. Desta forma, os produtos chegavam ainda “frescos” na capital e eram encaminhados ao Mercado Público Central, onde os donos de mercearias compravam os produtos alimentícios para revender nos bairros mais longínquos.

Através das ferrovias a população sul-rio-grandense apreciou uma nova forma de transporte veloz e econômico. Enquanto o Estado, tomou conhecimento das facilidades deste tipo de condução, tão comum nas potências internacionais da época. O Rio Grande do Sul iniciou no final do século XIX a sua era ferroviária que durou, aproximadamente, 40 anos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARDOSO, Alice. ZAMIN, Frinéia. Patrimônio Ferroviário no Rio Grande do Sul: Inventário das estações 1874-1959. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Secretaria da Cultura DO Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Pallotti, 2002.

FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade / UFRGS, 1988.

KLIEMANN, Luiza Helena Schmitz. A ferrovia gaúcha e as diretrizes de "ordem e progresso”: 1905-1920. Porto Alegre, 1977.

MALLMANN, Ana Maria Monteggia. Vila Nova. 2ª ed. Porto Alegre: EU/Porto Alegre, 1996.

Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo. Porto Alegre uma História em 3 Tempos. Catálogo: Exposição de Longa Duração. Porto Alegre: Prefeitura de Porto Alegre / Secretaria Municipal da Cultura, 1998. Zita Rosane Possamai (Coordenação Geral da Exposição). - Este catálogo encontra-se no acervo do Centro de Pesquisa Histórica (CPH) de Porto Alegre, na divisão arquivística de Porto Alegre.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. 8. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997.

POSSAMAI, Zita Rosane. ORTIZ, Vitor (orgs). Cidade e memória na globalização. Porto Alegre:Unidade Editorial da Secretaria Municipal da Cultura, 2002.

Rio Grande do Sul. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila Belga. Porto Alegre: Sedac/CHO, 2002.

s/org. Centro de preservação da história da ferrovia no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metrópole, s/d.

- Este exemplar encontra-se no acervo do Centro de Pesquisa Histórica (CPH) de Porto Alegre, na divisão arquivística de Porto Alegre.

NOTAS:

1 Ver mais em: FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade / UFRGS, 1988.

2 Ibidem, p.270.

3 POSSAMAI, Zita Rosane. ORTIZ, Vitor (orgs). Cidade e memória na globalização. Porto Alegre:Unidade Editorial da Secretaria Municipal da Cultura, 2002. p.121-122.

4 A Revolução Farroupilha durou de 1835-1845.

5 KLIEMANN, Luiza Helena Schmitz. A ferrovia gaúcha e as diretrizes de "ordem e progresso”: 1905-1920. Porto Alegre, 1977. p.16.

6 s/org.. Centro de preservação da história da ferrovia no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metrópole. s/d. p.34. Este exemplar encontra-se no acervo do Centro de Pesquisa Histórica (CPH) de Porto Alegre, na divisão arquivística de Porto Alegre.

7 Rio Grande do Sul. Secretaria de estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila Belga. Porto Alegre: Sedac/CHO, 2002. p.25.

8 Ibidem, p. 17.

9 Ibidem, p.24.

10 CARDOSO, Alice. ZAMIN, Frinéia. Patrimônio Ferroviário no Rio Grande do Sul: Inventário das estações 1874-1959. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Pallotti, 2002. p.55.

11 Engº. Ariosto Borges Fortes. Histórico da viação férrea do Rio Grande do Sul [datilografado]. R.F.F.S.A. Datado de março de 1964. p.4. Este exemplar encontra-se no acervo do Centro de Pesquisa Histórica (CPH) de Porto Alegre, na divisão arquivística de Rio Grande do Sul.

Nenhum comentário:

Postar um comentário