Algo Positivo em Porto Alegre

Após uma visita no Templo Positivista de Porto Alegre achei conveniente relatar essa oportunidade. A princípio, pensava que me deslocar num domingo ensolarado às 16hs para desfrutar de uma palestra deste tipo seria algo maçante. Contudo, o fato de estar postando sobre este assunto demonstra, justamente, o contrário.

O conhecido teórico Augusto Comte se consagrou como o criador da doutrina positivista. No qual prega uma exaltação da ciência e o uso da lógica na observação da realidade. Outro aspecto importante é a aplicação dos estudos sociológicos em prol do crescimento social. Com o objetivo de estabelecer leis universais para atingir o progresso e um processo contínuo de desenvolvimento social.

No Brasil, o responsável pela inserção do positivismo foi o Marechal Deodoro da Fonseca, sendo que Floriano Peixoto foi o consolidador destes ensinamentos. Esta influência pode ser conferida na frase emblemática contida no centro da bandeira nacional, onde consta escrito “Ordem e Progresso”.

No estado do Rio Grande do Sul, o ex-governador Júlio de Castilhos foi uma das principais figuras defensoras do positivismo. Este gaúcho, por exemplo, enxergava a república como sendo legítima por ser um direito cientifico e histórico.

Em visita ao Templo Positivista em Porto Alegre, localizado na Av. João Pessoa, quase ao lado do tão popular Parque da “Redenção”, teve a sua construção iniciada em 1912 e terminada somente em 1928, pode se ter uma noção de como se organiza esse pensamento na atualidade.

Esta construção faz parte de um minúsculo grupo composto por outras três edificações. Diante da acanhada recepção inicial do chamado Guardião, Sr. Afrânio, um homem de 82 anos que se manteve durante todo o tempo com uma postura séria e de plena convicção, pude vivenciar um pouco sobre o positivismo como religião.

Apesar desta nomenclatura vinculada a religiosidade, o guardião (mestre) defendeu que o positivismo é uma doutrina que prega a união de forças para o engrandecimento do Estado. Seus seguidores devem estar sempre buscando o conhecimento, já que seria através deste que construiríamos uma sociedade perfeita.

Os princípios positivistas possuem como dogma a moral, a sociologia, a biologia, a cosmologia e a lógica, ou seja, a ciência. Além de cultuar a arquitetura, a escultura, a pintura, a música e a poesia, isto é, as artes. Tendo em vista que estas seriam formas de expressão do que é belo e primoroso.

Percebeu-se em seu discurso que esta doutrina prega a integração de todas as etnias, a igualdade entre todos e o progresso, sempre ele... por fim o progresso. Válido ressaltar que o desenvolvimento se daria através da ordem, que não se impõe por meio das leis, mas sim dos costumes e tradição.

Os positivistas pregam que o governo tem responsabilidade de garantir à sociedade uma educação, saúde e segurança de qualidade. O ideal para o desenvolvimento das crianças seriam as escolas de turno integral, onde o retorno para casa fosse esporádico para que não se perdesse o vínculo familiar. Comte era a favor da universalização do ensino primário e amparo ao proletariado.

A família é a base da formação do indivíduo, pois é através dela que seus membros constroem a moral e a ética. Neste “pilar social” a figura da mãe é exaltada, justamente, pela sua responsabilidade na criação dos filhos. A esposa é vista como um ser extremamente importante, sendo que a figura materna é santificada pelos positivistas.

É importante citar que durante a fala do guardião, não foi mencionado nada sobre a possibilidade da mulher optar por investir em sua carreira e ser independente. Não fica claro qual é o papel feminino na sociedade caso esta não queira ser a matriarca de uma família tradicional.

Nas paredes do templo existem diversas frases que elucidam os ideais positivistas. Uma dessas, fala sobre se ter “o amor por princípio e a ordem por base; progresso por fim”. O intuito é que o amor coordene as ações individuais e coletivas. Manter a ordem é conservar tudo o que é bom para a sociedade, enquanto que o progresso é a consequência da existência da ordem.

Essa religião exige que seus seguidores sejam honestos e exemplos para os demais. Além de competentes e empreendedores, para que o Estado possa crescer economicamente e atinja... o progresso!

O Positivismo busca manter a ordem e o raciocínio lógico também é uma de suas características marcantes. Existe uma lei universal e ela deve ser aplicada.

Outra questão interessante é a afirmação de que o foco é o presente, porém o que se percebe é uma espécie de culto aos feitos do passado e o emprego destes como exemplo para as futuras gerações. Tanto é que o lema religioso, muito enfatizado ao longo do discurso do mestre, é o que se refere ao respeito que os vivos devem ter perante as gerações anteriores e seus feitos. A afirmação ilustra a ideia de que os vivos são cada vez mais governados pelos mortos.

“Os vivos são sempre e cada vez mais governados necessariamente pelos mortos”.
Esta frase pode ser lida no portal de entrada do prédio.

O positivismo foi muito importante e influente até, aproximadamente, metade do século XX. Contudo, atualmente, é necessário muito mais do que conceitos fechados sobre o que é certo ou errado. A realidade brasileira é composta por uma intensa diversificação em diversas áreas, talvez de uma forma até caótica.

Estamos redescobrindo identidades e causa um pouco de medo pensar algo tão findo, fechado e redondo, sem cantos e brechas. O manual e as receitas prontas não são suficientes para manter a tal ordem, tão pregada pelos positivistas.

Mas o contato com uma atmosfera positivista é algo enriquecedor. Afinal, é preciso conhecer para poder formar uma opinião. Mas não pensem que encontrarão na figura do guardião um mero reprodutor das palavras de Comte. Pelo contrário, conhecerão um homem que vive o que acredita e que possuí experiências impossíveis de se serem independentes e descoladas de tal mente.